Meu marido é transplantado renal ( maio/2000, doador vivo, meu sogro com 76 anos de idade foi o doador ).
Durante 02 anos e meio ele fez hemodiálise, sofremos muito durante esse período, mas aprendemos muito também. Felizmente eu recebi apoio de amigos e por causa da minha curiosidade em saber mais sobre o que estava se passando com o Paulo ( meu marido ) e com nossa família ( porque a família fica doente junto ) conheci pessoas maravilhosas que trabalham com Captação de Órgãos e Transplantes.
O Paulo começou a fazer a hemodiálise em out/97, a mudança da Lei sobre Doação de Órgãos e Tecidos aconteceu bem próxima a este período. Eu lia tudo o que saia em jornais e revistas sobre o tema, o período foi muito polêmico. Em janeiro de 1998 fui a uma entrevista da ABTO ( Associação Brasileira de Transplante de Órgãos ) no Jornal ¨A Folha de São Paulo “, lá conheci duas pessoas que hoje são duas Amigas, Sueli e Marlene ( secretárias da ABTO ), conheci também o Dr. Walter ( Presidente da ABTO ), para quem estava sedenta de informações conhecer essas pessoas era tudo o que eu mais queria.
Até janeiro/98 tudo o que eu sabia sobre Doação de Órgãos era o que eu lia, pesquisava na Internet, pesquisa em livros, era somente teoria. Infelizmente por mais perguntas que eu fizesse os médicos que estavam tratando do meu marido não falavam muito sobre o que realmente estava acontecendo e qual seria a solução. E pelo que vejo ainda hoje isso acontece muito, o tempo para consulta é pouco, o desconhecimento dos próprios médicos sobre o tema também é grande.
Eu já conhecia a ATX UNIFESP ( Associação de Pacientes Transplantados da Universidade Federal de São Paulo ), foi lá que conheci a Carmen, Assistente Social, que me deu muito apoio e que sabe mais que muitos médicos, pois ela sabia e ainda sabe receber o paciente e seu familiar com aquilo que eles mais precisam: Um pouco de atenção, e respostas para as muitas perguntas.
Iniciou-se então meu trabalho como voluntária na ATX UNIFESP, através da ABTO e da ATX UNIFESP conhecia agora pessoas que até hoje eu considero Heróis e Heroinas do transplante no Brasil: As Equipes das OPOs ( Organização de Procura de Órgãos ) de SP, são essas pessoas que fazem o transplante realmente acontecer, são elas que correm atrás das notificações de morte encefálica, falam com os familiares se aceitam ou não que os órgãos de seus familiares sejam doados, explicam como acontece a doação, certificam-se de que o paciente realmente esta em morte encefálica, tratam com atenção carinho e respeito aqueles familiares que dizem sim e os que dizem não a doação, se colocam a disposição quase que em tempo integral para que a família questione a qualquer hora a sua decisão. Não é um momento fácil para nenhum familiar, pois seu ente querido morreu . E estas equipes ainda correm atrás dos pacientes em morte encefálica nos hospitais, fazendo a busca ativa, pois infelizmente os profissionais de diversos hospitais ainda resistem muito em notificar a morte encefálica.
Falando assim a impressão que se tem lendo o que escrevo é que esses Heróis e Heroinas são muitos, triste ilusão, são poucos, pouquíssimos, para um Estado do tamanho de São Paulo, dá para contar nos dedos quantos são.
Em São Paulo são 10 equipes, OPO Hospital das Clínicas de São Paulo, OPO Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, OPO Dante Pazzanese, OPO Escola Paulista de Medicina, OPO Campinas, OPO São José do Rio Preto, OPO Botucatú, OPO Sorocaba, OPO Ribeirão Preto e OPO Marília.
Cada equipe tem em média 05 ou 06 Heróis e Heroinas. Acredito que sem esses Heróis e Heroinas das OPOs os transplantes não aconteceriam como acontece hoje no Brasil, pois é deles também que parte a maioria das iniciativas de campanhas para esclarecimento da população sobre o tema Doação de Órgãos e Tecidos. São eles que estão ali frente a frente com a população, falando, explicando, repetindo, repetindo, repetindo, e sempre com muito carinho, paciência e respeito com a opinião de cada um. Vale salientar que esses Heróis e Heroínas são em sua grande maioria Enfermeiras e Enfermeiros ( pouco valorizados ), tem Médicos e Médicas também, mas são Médicos e Médicas Especiais, são diferentes, talvez porque aprendem que o amor e o respeito são a palavra chave para curar qualquer doença, até aquela mais comum, onde apenas um olhar de carinho e um sorriso bastam, pois quando o olhar ou o sorriso estão repleto de amor, o paciente fica curado, os familiares em desespero se sentem mais protegidos e tem certeza que tudo o que podia ter sido feito pelo seu ente querido, que morreu, foi realmente feito.
Zita Catharina Navas Kaneko
18/02/2002