Quando o telefone tocou na madrugada de 1º de maio de 2006, a sensação era de estar em um sonho. Quando a minha mãe me acordou para avisar que a chamada vinha da central de transplantes, foi difícil de acreditar.
Difícil imaginar que o meu rim havia chegado. Era como ganhar na loteria. Parecia cena de filme. Sair da longa e demorada fila do transplante, naquele momento, nem passava pela minha cabeça. Comecei a contar os minutos para beber água novamente, sem culpa, depois que o telefone tocou naquela madrugada.
Nos 17 meses anteriores à ligação do Hospital do Rim, a minha vida mudara completamente. Sessões de hemodiálise três vezes por semana, alimentação restrita, pouca ingestão de líquido... dia a dia bem diferente do que eu, então com 25 anos, tinha vivido até ali. E não me lamentava por isso. Percebi que aquilo significaria muito mais do que uma nova rotina e mais cuidados com a saúde. Era um impulso que eu precisava para adotar novos hábitos mesmo durante o tratamento.
Foram 10 meses de licença do trabalho assim que fui diagnosticado com a doença autoimune que afetou os meus rins. Um período que aproveitei para descansar e me adaptar ao cotidiano casa-clínica, clínica-casa. Tentei tirar o máximo de proveito de toda a situação.
Sempre procurei levar o tratamento da melhor maneira, sem preocupações e lamentações. Acredito que tentar manter cabeça e espírito leves naquele momento tenha me ajudado bastante.
Eu fiz novos amigos, conheci coisas que mal sabia que existiam, matei a curiosidade dos velhos amigos sobre o que é fístula, que deixa o braço vibrando e, mais do que isso, entrei em um novo mundo.
Um mundo que, mais tarde, me possibilitaria viver e sentir na pele (ou no corpo) a solidariedade e o amor pelo próximo, quando o telefone de casa tocou naquela madrugada.
Apesar de ter começado a nadar com frequência ainda durante o período da hemodiálise, motivado por um grande amigo, foi após o transplante que realmente intensifiquei essa atividade física. Era como se aquele rim me desse mais forças para entrar na piscina. A vontade e a disposição só aumentavam.
Graças à doação de órgãos de uma família que jamais conheci, continuo a fazer muitas das coisas que mais gostava e a me dedicar ainda mais em outras, como a natação. Sem falar na sensação inexplicável de poder cuidar de um rim novo, que se adaptou totalmente ao meu corpo.
Toda vez que termino um treino desde o transplante, tornou-se quase involuntário o gesto de passar a mão sobre o melhor presente que recebi na vida, como se fosse um agradecimento por mais aquele momento. Um presente que só foi possível porque o meu doador falou à família sobre o desejo de espalhar a vida, de doar os seus órgãos.
Hoje, quase 18 anos e meio depois do transplante, agradeço com muita emoção o que ele e seus familiares me proporcionaram, quando o telefone tocou naquela inesquecível madrugada de 1º de maio.
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